Carta da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Porto Alegre, 02 de abril de 2010
Ao
Excelentíssimo Senhor
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Prezado presidente,
A Sociedade Brasileira de Cardiologia vem externar sua decepção
pelas palavras divulgadas pela imprensa e atribuidas a V. Excia.
durante a solenidade de entrega de ambulâncias em Tatuí, quando
teria criticado a classe médica em geral. A SBC também se
solidariza com o presidente da Associação Médica Brasileira que,
em nome de 350 mil médicos brasileiros, fez um desagravo aos
profissionais atingidos em sua dignidade e honradez pelas
referidas declarações, tão estranhas, que temos dúvida se a
imprensa reproduziu fielmente suas palavras.
Em nome dos 12 mil cardiologistas brasileiros, grande parte dos
quais exercendo a profissão em cidades pequenas, mesmo em
povoados às margens dos rios amazônicos, distantes dos grandes
centros, com poucos e antiquados equipamentos e, mesmo assim,
salvando vidas, a SBC vem lembrar que o esforço de seus
associados está levando o País em anos recentes a reduzir o
número de mortes por causas cardiovasculares que, até há pouco,
roubavam 315 mil vidas de brasileiros a cada ano.
Esses cardiologistas que trabalham em todos os rincões
brasileiros, senhor presidente, é que garantem o eficiente e
rápido tratamento de uma crise de hipertensão, como a que afetou
o presidente da República no Nordeste brasileiro e são eles que,
em campanhas como a que se desenvolve neste momento, difundem
informação sobre fatores de risco como a hipertensão, o
tabagismo, a obesidade, para que no futuro os brasileiros não
passem por crises semelhantes à que atingiu V. Excia.
São esses médicos que, recebendo pouco do SUS, muitas vezes não
tem recursos para acompanhar os congressos internacionais onde
são apresentados os avanços da Medicina. Esse é o motivo que os
leva a se valerem da Internet para a “Educação Continuada”
oferecida por essa Sociedade, para que no Brasil inteiro os
pacientes sejam atendidos por uma Cardiologia de ponta, por
médicos tão capacitados como os dos países desenvolvidos.
E é por causa do intenso esforço, dos seis anos de estudo,
somados aos de residência médica, aos quais se acrescenta toda
uma vida de atualização, frequentemente de pesquisa, que os
cardiologistas exigem que médicos formados em cursos como os de
Cuba passem por exames que demonstrem serem tão capazes como os
profissionais formados no território brasileiro. Não estamos
defendendo nossa categoria com essa exigência, presidente, mas
sim buscando a garantia de que os pacientes brasileiros sejam
atendidos por profissionais efetivamente capacitados.
Pedimos vênia para lembrar mais que, se hoje milhares de
cardiologistas trabalham em cidades onde não se conta com
recursos de tomografia computorizada, de ressonância magnética,
laboratórios nem salas cirúrgicas adequadas, senhor presidente,
não é culpa dos médicos e nem da falta da CPMF, imposto que,
tendo vigorado por vários anos, não foi empregado para sanar as
mais evidentes lacunas da Saúde nas cidades pequenas, ao
contrário do que desejava quem o propôs, justamente um
cardiologista.
Os “médicos da avenida Paulista”, criticados por V. Excia., são
os mesmos que, a cada dia, atendem milhares de pacientes pobres,
vindos de cidades distantes em incontáveis ambulâncias das
Prefeituras, que chegam a formar fila nas estradas, de
madrugada, trazendo pacientes em busca da ajuda médica que a
cidade grande oferece e com a qual não contam em suas cidades de
origem, e não por culpa dos profissionais da Saúde.
Num País em desenvolvimento como o nosso, em que são limitados
os recursos para a Saúde e escassas as verbas para comprar o
aparelhamento mais moderno, é simplesmente natural que se formem
umas poucas instituições de excelência, altamente equipadas,
para onde migram os pacientes das regiões próximas.
Esse fenômeno é conhecido e foi vivido por V. Excia. quando,
para seus exames e testes, que necessariamente tem que ser os
mais completos possíveis, pela importância de sua pessoa, os
médicos que o atendem fazem com que o presidente da República
deixe Brasília e frequente dois hospitais, o Incor e o Sírio
Libanês, situados, justamente, no entorno da avenida Paulista,
citada jocosamente por V. Excia como o local “onde é fácil ser
médico”.
Garantimos, ao contrário, que jamais foi fácil ser médico no
nosso País, onde a Medicina continua tendo conotação de
sacerdócio, principalmente para o crescente número de
profissionais que depende, para sua sobrevivência, dos
seguro-saúde. Ainda agora as Sociedades médicas lutam e sózinhas,
para conseguir que essas empresas que ganham importância diante
da falha da Saúde Pública, sejam levadas a pagar uma
contrapartida pelo menos digna a quem dedicou sua vida ao
exercício da Medicina.
Atenciosamente,
Jorge Ilha Guimarães
Presidente da SBC |