Modismo de fazer maratona pressiona os cardiologistas
Apesar da divulgação pelos jornais da pesquisa da Universidade de Laval, do Canadá, que mostra os eventuais prejuízos cardíacos que uma maratona pode causar, cardiologistas do Brasil inteiro continuam preocupados com o que dizer ao cliente que anuncia estar se preparando para fazer a extenuante prova de 42 quilômetros de corrida.
“Tornou-se um verdadeiro modismo fazer a maratona”, explica o coordenador de Projetos da SBC e especialista em Cardiologia do Exercício, Fábio Sândoli de Brito que já vibrou com o filho médico completando a maratona de Chicago mas, contrariado, teve que fazer um laudo para que a filha também médica pudesse correr uma meia-maratona.
“É uma verdadeira psicose”, insiste, “a maratona é para o corredor o Everest dos alpinistas”. Ele lembra que não só os clubes montam grupos dedicados ao preparo para correr a maratona, como até na Universidade de São Paulo e em Hospitais de São Paulo, há equipes treinando e discutindo se é melhor a maratona de Chicago, disputada em terreno plano, ou tentar diretamente a de Boston, com algumas ladeiras que exigem mais do corredor.
Para Fábio Sândoli, o cardiologista deve deixar claro para o paciente que não basta ter um eletro normal, fazer um ergométrico de esforço máximo ou um teste cardiopulmonar para disputar uma maratona. É importante lembrar que só em São Paulo há registro de mais de 10 mortes súbitas nas corridas de rua recentes, “e não apenas nas disputas mais longas, como a maratona”. Mais grave, alguns óbitos atingiram corredores que tinham feito exames clínicos e foram declarados aptos a disputar esse tipo de prova, mas “o esforço extraordinário imposto ao organismo exacerbou problemas não aparentes, levando a rompimento de aneurisma da aorta, a AVCs ou a arritmias ventriculares fatais”.
Do ponto de vista cardiológico, o especialista considera menor o risco do maratonista de alto desempenho, que entra na disputa para chegar entre os primeiros, caso em que o atleta tem que estar extremamente bem preparado, do que o risco do amador que quer “chegar ao fim da maratona, sem se importar com o tempo que fará”. Nesse caso, o corredor freqüentemente ignora os avisos do organismo de que ultrapassou sua capacidade, insiste além de suas forças, para chegar ao marco altamente simbólico dos 42 quilômetros.
O QUE FAZER
Já que muitas vezes não adianta o médico alertar para os riscos, a recomendação de Fábio é que o cardiologista não apenas faça um exame completo do candidato a corredor, como pode também interagir no treinamento, informando o treinador da freqüência cardíaca recomendada para o treino de seu cliente além de todos os dados clínicos que possam ser relevantes.
O que o estudo canadense mostrou e é comprovado por outras pesquisas, inclusive no Brasil, é que após uma maratona, são registradas elevações dos marcadores cardíacos indicadores da lesão das células musculares do miocárdio, como a troponina. Da mesma forma que numa síndrome coronariana aguda, um exame horas depois da corrida indica CKMB e mioglobina elevados como se o corredor tivesse sofrido um infarto.
“Essas alterações são reversíveis”, garante Fábio, aparentemente não deixam seqüelas, mas ele considera importante contar ao paciente que, “depois de correr uma maratona, se for a um Pronto Socorro para fazer exames e não contar que correu, o médico dirá que apresenta sinais bioquímicos como se tivesse sofrido um infarto”. Esse argumento pode ser importante para convencer um “gordinho” a desistir de fazer a prova, que por sinal é disputada em memória de um corredor grego que correu 42 quilômetros para informar os atenienses de que uma batalha tinha sido ganha, e caiu morto em seguida, caso típico de morte súbita de atleta.
O estudo canadense mostra também que, após a corrida, o ecocardiograma indicou redução difusa da contratilidade do músculo cardíaco, mas também ela reversível. Elevações transitórias do BNP (Peptídeo Natriurético) que é secretado em resposta ao estresse hemodinâmico e estiramento das fibras miocárdicas seriam mais um indicador do sofrimento miocárdico com disfunção, produzido pelo exercício extenuante. “Quem sabe só uma biópsia do coração poderá comprovar se houve ou não necrose”, insiste Fábio. Há necessidade de mais estudos e principalmente de mais tempo de pesquisa, para se saber se os efeitos registrados pelos pesquisadores são ou não reversíveis.
“O que temos que deixar claro para quem nos procura querendo correr, é que completar uma maratona não tem qualquer efeito benéfico para a saúde cardiovascular comparativamente à atividade física regular moderada”, conclui Fábio, “o único benefício é emocional, e se alguém precisa dessa auto-afirmação para se sentir bem, já por si só, essa necessidade pode não ser um bom sinal”. Fonte:
Assessoria de Imprensa
Jornalista Responsável: Luiz Roberto Queiroz |