Brasil cria primeiras diretrizes sobre
risco cardíaco de quimioterapia
Leia entrevista exclusiva com presidente eleito da Sociedade Brasileira de
Cardiologia – um dos autores do documento.
A queda dos cabelos nem sempre é a única reação indesejável para indivíduos em
tratamento oncológico. Apesar de seu papel fundamental no combate a alguns tipos
de câncer, os medicamentos quimioterápicos podem ser bastante nocivos e
apresentam risco de danos ao coração para cerca de 10% dos pacientes.
Para chamar a atenção à cardiotoxicidade da quimioterapia e estimular cuidados
específicos para pessoas com risco cardíaco em tratamento de câncer, a Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC) está editando as primeiras diretrizes mundiais
sobre o assunto.
O objetivo é uniformizar a utilização de quimioterápicos de maneira mais segura.
De acordo com o oncologista do Einstein, Dr. Rafael Kaliks, a importância das
diretrizes está na padronização e na ampla divulgação do controle adequado das
toxicidades desses medicamentos.
“Com essa publicação, a avaliação de risco cardíaco, hoje realizada pelo médico,
poderá ser incorporada na checagem já feita para cada paciente pela enfermagem,
por exemplo, que administra os medicamentos”, acredita o médico.
“Aqui no Einstein, essa checagem garante a aderência às melhores práticas de
redução do risco de infecções na corrente sanguínea e a adequação do melhor
esquema de medicações para náuseas, entre outros parâmetros. Agora poderemos
incluir o controle da toxicidade cardíaca, aumentando ainda mais a segurança de
todo o processo”, explica.
Sobre as diretrizes
Ainda não se tem acesso à integra das diretrizes da SBC para pacientes cardíacos
em tratamento oncológico. De acordo com o coordenador de normatizações e
diretrizes científicas da SBC e presidente eleito da instituição, o
cardiologista Jadelson Andrade (um dos médicos a assinar o documento), a ideia
com a publicação é alterar a forma como os profissionais encaram a aplicação da
quimioterapia.
“Toda a atenção do tratamento oncológico era voltada à melhor e mais eficaz
forma disponível para a cura e o tratamento do câncer, sem observar doenças
cardíacas preexistentes ou mesmo pacientes com fatores de risco para doenças
cardiovasculares”, afirma.
Leia a seguir entrevista exclusiva com o Dr. Jadelson, que revela algumas das
informações mais importantes que estarão contidas nas diretrizes a serem
publicadas pela primeira vez no mundo pela SBC.
Portal Einstein: Que dados levaram os senhores a vislumbrar a necessidade dessas
diretrizes?
Dr. Jadelson: As taxas de câncer, de acordo com relatórios publicados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), irão duplicar até 2020, o que tornará as
doenças neoplásicas as mais incidentes e prevalentes, ultrapassando as
cardiovasculares. Atualmente, são diagnosticados a cada ano mais de 10 milhões
de novos casos de câncer no mundo, com tendência para a próxima década de que
esse número ultrapasse os 20 milhões anuais.
Devido a este cenário, pesquisas na área oncológica se multiplicaram nos últimos
anos, ocasionando o surgimento de novas tecnologias e medicamentos que
possibilitaram um aumento na sobrevida dos pacientes com a doença.
Entretanto, as complicações cardíacas também apresentaram um crescimento
significativo com uso de quimioterápicos e radioterapia. Este aumento também
ocorre, pois 80% de todos os cânceres são diagnosticados em indivíduos com mais
de 55 anos e muitos, nessa faixa etária, possuem comorbidades cardiovasculares
significantes.
As complicações cardiovasculares provocadas pela quimioterapia determinam
doenças que afetam diretamente o prognóstico do paciente em tratamento
oncológico. A gravidade da cardiotoxicidade dependerá da dose inicial e
cumulativa do quimioterápico utilizado, do modo de administração, da presença de
alterações cardíacas subjacentes e do uso concomitante de agentes
antineoplásicos e/ou radiação.
Os efeitos adversos cardíacos podem ocorrer imediatamente à administração do
medicamento, logo nos primeiros dias, ou demorar meses, até mesmo anos, após o
término do tratamento.
P.A.: O senhor acredita que pacientes eram tratados todos de maneira indistinta,
sem considerar seu histórico ou riscos cardiológicos?
Dr. J.: Sim. Antes da observação da importância deste fenômeno de toxicidade
cardiológica, toda a atenção do tratamento oncológico era voltada a melhor e
mais eficaz forma disponível para a cura e o tratamento, sem observar doenças
cardíacas preexistentes ou mesmo pacientes com fatores de risco para doenças
cardiovasculares, como idade, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes etc.
O que a diretriz preconiza é que, ao estabelecer o protocolo do tratamento para
o câncer, o oncologista deva solicitar para seus pacientes uma avaliação
cardiológica prévia ao tratamento, bem como um acompanhamento cardiológico
durante o processo, com ênfase nos pacientes identificados como de risco para
doenças cardiovasculares.
P.A.: Quais as principais alterações no tratamento de pacientes oncológicos
propostas pelo texto?
Dr. J.: As diretrizes preconizam que a escolha do protocolo de tratamento deva
ser adequado ao perfil do paciente, observando a presença de doença cardíaca
preexistente ou de fatores de risco cardiovascular.
Ajustes dos protocolos de tratamento, como a escolha dos agentes
quimioterápicos, deverão ser feitos de acordo com este perfil, uma vez que
existem medicamentos que, embora sejam mais eficazes, são mais agressivos ao
coração. Com esse maior potencial de cardiotoxicidade, eles devem ser evitados
como estratégia para pacientes que desenvolvam manifestações cardiológicas
durante o tratamento ou que tenham cardiopatia diagnosticada previamente. A
detecção precoce de agressões ao sistema cardiovascular recomenda modificação da
estratégia terapêutica iniciada ao tratamento do câncer.
P.A.: O que deve mudar na prática para as instituições de saúde?
Dr. J.: O que muda é a perspectiva de que as instituições de saúde
especializadas em tratamento oncológico devem também disponibilizar métodos de
diagnóstico e acompanhamento médico cardiológico, que deverão estar em
permanente interação com as equipes de oncologia.
P.A.: Quando as diretrizes serão publicadas?
Dr. J.: A diretriz de cardio-oncologia acaba de ser publicada.
Veja a íntegra das diretrizes aqui.
Fonte: Portal Einstein - www.einstein.br
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