Dr. Ricardo C. Moraes e Dr. Bruno Paolino

Resumo: Estudo populacional apresentado hoje no Congresso do American College of Cardiology/i2-Summit 2011 demonstrou o aumento da incidência de infarto agudo do miocárdio com a mudança da qualidade de vida dos moradores de Nova Orleans após o furacão Katrina.

Introdução: O furacão Katrina devastou a região de Nova Orleans, nos EUA em agosto de 2005 com ventos de mais de 280Km/h, inundando mais de 200 mil casas e 80% da área da cidade. Alem dos prejuízos financeiros, houve aproximadamente mil mortes relacionadas diretamente e um possível aumento de incidência de vários distúrbios físicos e emocionais indiretamente relacionados à catástrofe. Esse aumento indireto de mortes ou de eventos cardiovasculares, entretanto, pode ser de difícil análise e quantificação.

Objetivos: Avaliar a variação da incidência de IAM antes e após o Katrina.

Métodos: Foi realizada uma análise retrospectiva em pacientes admitidos com IAM no Hospital Universitário de Tulane entre 2 anos antes e 4 anos após o a passagem do furacão. Alem da incidência, foram avaliados fatores de risco e características socioeconômicas dos pacientes admitidos pela afecção. Os registros anteriores ao furacão foram coletados após a reabertura do hospital em fevereiro de 2006.

Resultados: As incidências anuais de IAM são mostradas na figura 1. Foram confirmados 629 casos de IAM na análise de 28 597 pacientes atendidos após o furacão Katrina.  No grupo pré-Katrina, no entanto, houve 150 casos de IAM em 21 079 atendimentos (2,2 vs 0,7%; odds ratio 3,14; p<0,0001). Houve ainda um aumento da prevalência, no grupo pós-Katrina, de desemprego (17 vs 2%; p<0,0001), ausência de seguro de saúde (12 vs 6%; p<0,0001), tabagismo (58 vs 17%; p<0,001), irregularidade de tratamento médico (25 vs 7%; p<0,0001), abuso de substâncias ilícitas (16 vs 7%; p<0,01), distúrbios psiquiátricos (10 vs 6%; p<0,05), história prévia de doença arterial coronária (46 vs 31%; p=0,001) e de intervenção coronária percutânea (66 vs 52%; p<0,0001). Não houve, no entanto, diferenças significativas entres os grupos em relação à idade, raça, sexo, hipertensão, dislipidemia, obesidade, diabetes e insuficiência renal crônica.

Figura 1. Incidência de IAM pré e pós Katrina (Figura retirada da apresentação original)

Conclusões: Houve aumento significativo, em Nova Orleans, da incidência de IAM nos 4 anos subseqüentes à passagem do furacão Katrina, quando comparados aos 2 anos anteriores à catástrofe. Este aumento pode estar relacionado às mudanças dos aspectos socioeconômicos da população após a tragédia, uma vez que não houve mudança na prevalência dos fatores de risco tradicionais para doença coronariana.

Perspectivas: O furacão Katrina abalou significativamente o comportamento psicossocial e o estilo de vida dos residentes de Nova Orleans, tanto pela questão emocional quanto pelas perdas financeiras associadas à tragédia. Esta análise ficou bastante evidente neste estudo observacional realizado em Nova Orleans, quando houve aumento da incidência de IAM associado às mudanças psicossociais e econômicas do pós-Katrina, sem qualquer mudança dos fatores de risco cardiovasculares não-modificáveis.

Em todo o mundo, após os desastres ocorridos no Japão e na região serrana fluminense no inicio de 2011, a qualidade de vida de habitantes da várias regiões podem corresponder às mesmas mudanças da cidade americana. Porém, pelo papel predominante das mudanças socioculturais, estudos regionais são necessários para se afirmar que o fenômeno de aumento da incidência de doença cardiovascular se repetirá e para identificar os mecanismos responsáveis pelos efeitos causados ao longo prazo.

Referência: Acute Myocardial Infarction Before and after the Storm: Hurricane Katrina, apresentado pelo Dr.Irfan Hameed no ACC/I2 Summit 2011