Autores: Dr. Humberto Graner Moreira e Dra. Fernanda Seligmann Feitosa
Introdução: A revascularização de pacientes com doença arterial coronariana (DAC) com disfunção sistólica de ventrículo esquerdo e insuficiência cardíaca ainda é incerta. As diretrizes que norteiam a prática atual se baseiam em estudos pequenos, não-randomizados, ou de sub-análises de estudos de revascularização miocárdica cirúrgica há mais de 30 anos. Não se sabe ao certo se, com a terapia medicamentosa agressiva realizada nos dias atuais, a cirurgia de revascularização miocárdica (RM) acrescentaria benefícios que superem o risco cirúrgico neste grupo de pacientes.
Objetivos: Avaliar se a RM acrescenta benefícios a longo prazo quando comparada com tratamento clínico intensivo sem RM.
Desenho do Estudo: Ensaio clínico randomizado, controlado, aberto, multicêntrico, envolvendo 22 países.
Métodos: Pacientes com disfunção sistólica de VE (fração de ejeção <35%) e DAC passível de revascularização cirúrgica foram randomizados para tratamento clínico otimizado ou tratamento clínico + RMC. Os critérios de exclusão foram angina refratária, estenose de tronco de coronária esquerda >50%, choque cardiogênico, IAM recente ou necessidade de troca de valva aórtica. Os pacientes foram seguidos por intervalos de 6 meses, com follow-up médio de 56 meses. O desfecho primário foi morte por todas as causas. Os pacientes foram incluídos entre julho de 2002 a maio de 2007. Os resultados foram apresentados conforme tratamento recebido e conforme intenção de tratamento
Resultados: Foram randomizados 1.212 pacientes, 602 para o grupo de tratamento clínico e 610 para o grupo RMC. A idade média à inclusão era 60,9 anos, 88% eram homens e 40% eram diabéticos. A presença de DAC nessa população foi significativa: 74% apresentavam estenose importante (>75%) em 2 ou mais artérias coronárias. Fração de ejeção média de 27%, sendo 52% em classe funcional NYHA II e 37% em NYHA III/IV. A utilização de medicações com evidência foi satisfatória: 90% usavam IECA ou BRA, 85% usavam beta-bloqueadores, 85% estatinas, e 84% aspirina.
Durante o seguimento houve uma taxa de crossover de 9,9%, conforme diagrama a seguir. Por este motivo, os resultados foram apresentados conforme intenção de tratamento e pelo protocolo (per protocol).
Na intenção de tratar, RM levou a uma redução não significativa do RR de morte por todas as causas de 14% em relação à terapia clínica (HR 0,86; IC 95% 0,72-1,04; p=0,123). Por outro lado, a RM levou a redução significativa de morte cardiovascular (HR 0,86; IC 95% 0,66-1,0; p=0,05) e morte ou hospitalização cardiovascular (HR 0,74; IC 95% 0,64–0,85; p<0,001). Quando se analisou apenas os pacientes que foram submetidos ao tratamento inicialmente proposto (pelo protocolo), a cirurgia de RM foi capaz de reduzir o risco de mortalidade global em 24% (HR 0,76; IC 95% 0,62-0,92; p=0,005). De forma semelhante, quando feita a análise pelo tratamento realmente recebido (“as treated”), a mortalidade global também foi reduzida em 30% nos pacientes que foram submetidos à cirurgia de RM em comparação àqueles que receberam tratamento medicamentoso isolado (HR 0,70; IC 95% 0,58-0,84; p<0,001). Entretanto, o benefício do tratamento cirúrgico só foi observado a partir de dois anos de seguimento.
Figura1. Retirado do slideset apresentado no ACC 2011.
Conclusão: Em pacientes com DAC e insuficiência cardíaca sistólica, a RM cirúrgica deve ser considerada como opção de tratamento nestes pacientes, com melhores resultados cardiovasculares a longo prazo quando comparado com o tratamento medicamentoso isolado.
Perspectiva: O STICH é o maior estudo randomizado realizado para comparar a cirurgia de revascularização do miocárdio em relação a terapia medicamentosa contemporânea otimizada, em pacientes com DAC e IC. Esta combinação de comorbidades cardiovasculares impacta significativamente nos custos do sistema público de saúde no Brasil.
O benefício da RM cirúrgica sobre a revascularização percutânea, em pacientes com DAC grave e insuficiência cardíaca é bem estabelecida. No entanto, a vantagem da abordagem cirúrgica sobre o tratamento clínico otimizado contemporâneo não estava bem estabelecido, e os resultados apresentados hoje contribuem enormemente para esta discussão.
Houve muito debate sobre os resultados na maneira como foram apresentados. De uma maneira cientificamente elegante, o Dr. Velazquez apresentou os resultados por intenção de tratar, por protocolo e pelo tratamento recebido. Apenas o desfecho principal de mortalidade geral por intenção de tratar não apresentou vantagens da cirurgia sobre o tratamento clínico exclusivo. Nas demais análises, a cirurgia foi superior em diminuir morte geral, morte cardiovascular e eventos cardiovasculares. O Dr. Velazquez, em entrevista à Cobertura Online, pontuou que, apesar da intenção de tratar, na vida real nossas decisões não são randomizadas, e é importante saber os desfechos que nos esperam quando determinado procedimento é efetivamente realizado. E nesta análise a cirurgia cardíaca foi marcadamente superior ao tratamento clínico isolado.
Apesar da excelente aderência ao tratamento medicamentoso mais atual, e os excelentes resultados cirúrgicos obtidos, os pacientes com o perfil incluído no STICH ainda permanecem sob risco elevado, com mortalidade geral próxima de 40% em 5 anos, independente da estratégia. O benefício da cirurgia a longo prazo, contudo, só foi constatado a partir de 2 anos de seguimento. Até esse prazo, o risco cirúrgico não supera o ganho de sobrevida esperado. Isso significa que a perspectiva de vida dos pacientes deve ser levado em conta na decisão clínica. Em pacientes com IC em estágio terminal, cuja perspectiva de vida estimada seja menor que 2 anos, a cirurgia pode não ser vantajosa.
Referência: Medical Therapy With or Without Coronary Artery Bypass Graft Surgery in Patients with Ischemic Cardiomyopathy: Results of the Surgical Treatment of Ischemic Heart Failure Trial. Apresentado pelo Dr. Eric J. Velazquez, no congresso do American College of Cardiology 2011 Scientific Sessions