Artigo Científico


Avaliação randomizada da terapia de anticoagulação de longa duração com varfarina comparada com dabigatran – RE-LY (Randomized Evaluation of Long-Term Anticoagulant Therapy Warfarin, Compared With Dabigatran)

Dr. Ricardo C. Moraes
Dr. Bruno Paolino

Descrição
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia e segurança de duas doses do novo inibidor direto de trombina, dabigatran comparado com varfarina em pacientes com fibrilação atrial.

Hipótese
Dabigatran é não-inferior à varfarina com margem pré-especificada de não-inferioridade de 1,46.

Drogas
Os paciente foram randomizados para duas doses de dabiagatran (110 mg, n=6.015; 150 mg, n=6.076; dose cega da droga estudada) ou dose aberta de varfarina (n = 6.022).  A dose de varfarina foi ajustada para se alcançar o alvo terapêutico pela international normalized ratio (INR) de 2.0-3.0. O INR foi avaliado mensalmente.
 
Principais achados
Em relação ao tempo, a fibrilação atrial (FA) para entrada no estudo foi dividida em FA persistente (32%), paroxística (33%) e permanente (35%). Metade dos pacientes do estudo era usuário de antagonista de vitamina K por tempo prolongado, definido como ≥61 dias durante a vida. A média do escore CHADS foi de 2,1. A porcentagem média de tempo com INR terapêutico no grupo varfarina foi 64%. A descontinuação da droga do estudo em dois anos foi de 21% no grupo dabigatran e 16,6% no grupo varfarina.
O desfecho primário, acidente vascular cerebral (AVC) ou tromboembolismo sistêmico, ocorreu em 1,53% por ano no grupo dabigatran 110 mg e 1,11% por ano no grupo dabigatran 150mg comparado com 1,69% por ano no grupo varfarina, satisfazendo o critério de não-inferioridade em ambos os grupos. O grupo dabigatran 150 mg também foi superior em relação à varfarina (risco relativo [RR] 0,66; 95% intervalo de confiança [IC] 0,53-0,82, p < 0,001). O grupo dabigatran 110 mg não mostrou superioridade (RR 0,91, 95%IC 0,74-1,11, p=0,34).
O desfecho secundário de AVC foi, significativamente, menor no grupo dabigatran 150 mg (1,01%/ano) comparado ao grupo varfarina (1,57% / ano, RR 0,64, 95% IC 0,51-0,81, p < 0,001),  mas o dabigatran 110 mg não apresentou essa vantagem (1,44% / ano, RR 0,92, 95% IC 0,74-1,13, p = 0,41).  Ambas as dosagens de dabigatran tiveram uma diminuição das taxas de AVC hemorrágico comparado à varfarina (RR para 150 mg 0,26, 95% IC 0,14-0,49, p < 0,001; RR para 110 mg 0,31, 95% IC 0,17-0,56, p < 0,001).  Comparado ao grupo varfarina, o evento infarto agudo do miocárdio (IAM) teve uma tendência maior no grupo dabigatran 150 mg (0,74% / ano vs. 0,53% / ano, RR 1,38, 95% IC 1,00-1,91, p = 0,048) e dabigatran 110 mg (0,72% / ano, RR 1,35, 95% IC 0,98-1,87, p = 0,07).
  Morte cardiovascular foI menor no grupo dabigatran 150 mg (2,28% / ano) comparado ao grupo varfarina (2,69% / ano, RR 0,85, 95% IC 0,72-0,99, p = 0,04), mas não no grupo dabigatran 110 mg (2,43% / ano, RR 0,90, 95% IC 0,77-1,06, p = 0,21). Os resultados foram similares para mortalidade global: varfarina 4,13% / ano, dabigatran 150 mg  3,64% / ano (RR 0,88, 95% IC 0,77-1,00, p = 0,051), dabigatran 110 mg 3,75% / ano, (RR 0,91, 95% IC 0,80-1,03, p = 0,13).
O desfecho de segurança primário, sangramento, ocorreu em  3,36% / ano no grupo varfarina, sendo maior que o grupo dabigatran 110 mg (2,71% / ano, RR 0,80, 95% IC 0,69-0,93, p = 0,003), mas sem diferença em relação ao grupo dabigatran 150 mg (3,11%/ano, RR 0,93, 95% IC 0,81-1,07, p = 0,31). Sangramento gastrointestinal foi mais freqüente no grupo dabigatran 150 mg comparado a varfarina (1,51%/ano vs. 1,02%/ano, p < 0,001). Ambas as doses de dabigatran tiveram, taxas significativamente menores de sangramento maior ou menor comparados à varfarina, com 14,62% / ano varfarina e dabigatran 110 mg (16,42%/ano), dabigatran 150 mg e 18,15% / ano para varfarina. 
O principal desfecho clínico benéfico foi o evento composto de AVC, tromboembolismo sistêmico, tromboembolismo pulmonar, IAM, morte ou sangramento maior, favorecendo o grupo dabigatran 150 mg em relação ao grupo varfarina (RR 0,91, 95% IC 0,82-1,00, p = 0,04), mas sem diferença entre o grupo dabigatran 110 mg versus varfarin (RR 0,92, 95% IC 0,84-1,02, p = 0,10).  Dispepsia ocorreu mais frequentemente com dabigatran que a varfarina  (11,8% no grupo 110 mg e 11,3% no grupo 150 mg vs. 5,8% no grupo varfarina, p < 0,001). Não houve diferença nos testes de função hepática. 

Interpretação
Entre os pacientes com fibrilação atrial, o tratamento com o novo inibidor direto oral da trombina, dabigatran, na dose de 150 mg foi superior à varfarina na redução de AVC ou embolismo sistêmico, com perfil similar de sangramento. Já o tratamento com dabigatran 110 mg foi não inferior a varfarina em relação ao AVC ou embolismo sistêmico, mas foi associado com diminuição das taxas de sangramento. A terapia com varfarina, que é recomendada para pacientes com fibrilação atrial para reduzir o risco de AVC, pode apresentar dificuldade em manter o nível terapêutico e está associado com aumento de sangramento. Outro inibidor direto de trombina ximelagatran, demonstrou ser promessa em termos de eficácia e sangramento, mas foi associado a hepatoxicidade severa. 
O dabigatran não demonstrou ter efeito hepatóxico no estudo, e apresentou eficácia e perfil de sangramento favoráveis. Houve diferença no tratamento com as duas doses estudadas, além de a análise poder ajudar a identificar o perfil de pacientes que podem se beneficiar das diferentes doses.

Referências: Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med 2009;361:1139-51.

Apresentação Dr. Lars Wallentin no American Heart Association Scientific Sessions, Orlando, FL,15 de novembro, 2009.
 


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