Autor: Dra. Fernanda Seligmann Feitosa
Resumo: Foi apresentado hoje no Congresso Europeu de Cardiologia 2011, em Paris, pelo Dr. Cristopher Granger, o estudo ARISTOTLE, que comparou o uso de um novo inibidor direto do Fator Xa, a apixabana, à varfarina para a prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com fibrilação atrial. O uso de apixabana diminuiu a incidência de acidentes vasculares cerebrais (AVC), bem coma a taxa de sangramentos, em comparação ao uso da varfarina. Houve também redução de 11% da mortalidade, com boa aderência e bom perfil de segurança.
Introdução: A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia bastante comum, acometendo cerca de 2,6 milhões de pessoas nos Estados Unidos. A principal complicação associada à FA é a ocorrência de eventos tromboembólicos sistêmicos, principalmente o AVC. Para diminuir o risco de eventos embólicos e sua morbimortalidade em portadores de FA, medicações anticoagulantes tem sido usadas há décadas. A mais comum delas, a varfarina, promove redução desse risco em mais de 60%, porém com aumento na incidência de sangramentos. Além do sangramento, a varfarina tem algumas importantes desvantagens, como a alta variabilidade de resposta individual e a necessidade de monitorização do INR, fazendo com que ela seja subutilizada na prática clínica. Atualmente, várias medicações tem sido desenvolvidas, buscando um melhor perfil de segurança e de eficácia como opção aos antagonistas da vitamina K. Neste sentido, foi desenvolvida a apixabana, um antagonista direto do fator Xá. A apixabana foi comparada à varfarina em pacientes com FA para a prevenção de eventos tromboembólicos no estudo ARISTOTLE.
Métodos: Estudo duplo cego, que incluiu 18.201 pacientes com FA persistente ou paroxística e, pelo menos, um fator de risco adicional para eventos tromboembólicos (idade maior que 75 anos; AVC, AIT ou embolia sistêmica prévios; insuficiência cardíaca sintomática nos últimos 3 meses ou fração de ejeção menor que 40%; diabetes mellitus, ou hipertensão em tratamento farmacológico). Os pacientes foram randomizados para receber apixabana, na dose de 5mg duas vezes ao dia, ou varfarina, cuja dose foi guiada para se manter um INR alvo de 2-3. Pacientes foram seguidos por tempo médio de 1,8 anos. O apixabana teve sua dose ajustada para 2,5mg duas vezes ao dia nos pacientes com, pelo menos, dois dos seguintes fatores de risco: idade maior que 80 anos, peso menor que 60Kg ou creatinina >1,5mg/dl. Os principais critérios de exclusão foram: FA de causa reversível, estenose mitral moderada a grave, condições associadas com indicação formal de anticoagulação com varfarina, AVC nos últimos 7 dias, necessidade de aspirina em dose maior que 165mg/dia ou de tratamento conjunto de aspirina e clopidogrel, insuficiência renal grave (Cr >2,5mg/dl ou ClCr <25ml/min). O desfecho primário do estudo foi avaliar a não inferioridade da apixabana em comparação à varfarina para a prevenção de acidentes vasculares cerebrais (isquêmicos e hemorrágicos) ou tromboembolismos sistêmico. Foi avaliado também, como desfecho primário de segurança, a incidência de sangramentos maiores (pelo critério da ISTH). Os objetivos secundários foram determinar a superioridade da apixabana sobre a varfarina em relação ao desfecho primário e às taxas de sangramento maior e de mortalidade global.
Resultados: Os pacientes incluídos eram semelhantes em ambos os grupos, com idade média de 70 anos, sendo 35% do sexo feminino, com escore CHADS2 médio de 2,1. Aproximadamente, 57% dos pacientes estavam previamente em uso de antagonista da vitamina K e 19% tinham AVC prévio. A taxa de descontinuação da medicação no grupo varfarina foi maior que no grupo apixabana (27,5% vs. 25,3%, respectivamente; p=0,001). O tempo mediano na faixa terapêutica (INR adequado) foi de 66% no grupo em uso de varfarina. A incidência do desfecho primário foi de 1,27% (212 pacientes) no grupo apixabana, comparado a 1,60% (265 pacientes) no grupo varfarina (hazard ratio [HR] 0,79; IC 95% 0,66 – 0,95; p<0,001 para não-inferioridade; p=0,01 para superioridade). A taxa de sangramento maior foi de 2,13% no grupo apixabana, contra 3,09% no grupo varfarina (HR 0,69; IC 95% 0,60 – 0,80; p<0,001), e as taxas de mortalidade global foram 3,52% e 3,94%, respectivamente (HR 0,89; IC 95% 0,80 – 0,99; p=0,047). Houve redução de 49% na incidência de AVC hemorrágico no grupo apixabana, em comparação ao grupo varfarina (HR 0,51; IC 95% 0,35 – 0,75; p<0,001) e de 8% na taxa de AVC isquêmico (0,97% vs 1,05%, respectivamente; HR 0,92; IC 95% 0,74 – 1,13; p=0,42).
A taxa de mortalidade cardiovascular foi de 1,80% no grupo apixabana, contra 2,02% no grupo varfarina, uma redução não significativa (IC 95% 0,76 – 1,04). A taxa de infarto agudo do miocárdio foi menor entre os pacientes em uso de apixabana, porém este resultado não foi estatisticamente significante (0,53% vs. 0,61%; HR 0,88; IC 95% 0,66 – 1,07; p=0,37). Sangramentos maiores ocorreram em 327 pacientes do grupo apixabana (2,13%), em comparação a 462 pacientes do grupo varfarina (3,09%; HR 0,69; IC 95% 0,60 – 0,80; p<0,001). Houve redução também na taxa de sangramento intracraniano com o uso de apixabana em comparação à varfarina (HR 0,42; IC 95% 0,30 – 0,58; p<0,001), inclusive quando realizada a avaliação conforme intenção de tratar (intention to treat). Foram realizadas diversas análises de subgrupos, e o benefício obtido foi consistente em todas elas. Em respeito à taxa de sangramentos, houve redução ainda maior deste desfecho nos pacientes não-diabéticos e naqueles com disfunção renal moderada a grave. Foi observado um bom perfil de segurança da medicação, sem aumento dos eventos adversos reportados.
(Figura modificada da apresentação original do Dr. Granger no ESC 2011)
Conclusões: Em pacientes com fibrilação atrial, a apixabana foi superior à varfarina na prevenção de AVC ou embolia sistêmica (redução de 21%), com diminuição de 31% na incidência de sangramentos maiores e de 11% na mortalidade global.
Perspectivas: A apixabana é um inibidor direto do fator Xa, com rápida absorção oral, meia-vida de 12 horas e 25% de excreção renal. No estudo AVERROES, apresentado no ESC 2010, seu benefício em relação à aspirina já havia sido demonstrado para pacientes com FA que apresentam contra-indicação ao uso de varfarina. Desta vez, no estudo ARISTOTLE, a apixabana foi comparada à varfarina, demonstrando benefício consistente não só na prevenção de eventos embólicos, como na redução de sangramentos e inclusive redução de mortalidade, desfecho secundário do estudo. Para cada 1000 pacientes tratados por 1,8 anos, houve prevenção de 6 AVC, 15 sangramentos maiores e 8 mortes. A apixabana, assim como outros antagonistas do fator Xa e inibidores da trombina, traz vantagens importantes sobre a varfarina, principalmente por não exigir a monitorização de sua faixa terapêutica e não apresentar interações conhecidas com medicações e alimentos. Outra vantagem da apixabana é que, em caso de procedimentos invasivos, a droga deve ser descontinuada, apenas 24 horas antes do procedimento. Não existem antídoto para a apixabana, mas em caso de sangramentos graves, nos quais a reversão da anticoagulação é mandatória, deve-se utilizar hemoderivados. Devido à apresentação recente de mais um estudo com novas drogas para a prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com FA, não podemos deixar de tentar traçar um comparativo entre as diversas medicações já testadas. A dabigatrana, medicação avaliada no estudo RE-LY, na dose de 150mg administrada duas vezes ao dia, foi superior à varfarina com perfil semelhante de sangramento; já na dose de 110mg duas vezes ao dia foi não inferior, com redução da incidência de hemorragias. O perfil dos pacientes avaliados no RE-LY foi semelhante ao do ARISTOTLE, com CHADS2 médio de 2,1. Já no estudo ROCKET, que avaliou a segurança e a eficácia da rivaroxabana em relação à varfarina, foram incluídos pacientes de mais alto risco, com 87% dos pacientes apresentando escore CHADS2 maior ou igual a 3. Naquele estudo, a rivaroxabana também se mostrou uma boa opção para anticoagulação dos pacientes com FA, já que foi não inferior à varfarina, com bom perfil de segurança e redução na incidência de hemorragias intracranianas. Outras medicações semelhantes estão ainda em fase de análise, entre elas a endoxabana, que também demonstram bons resultados preliminares. O crescimento das opções de anticoagulantes traz perspectivas promissoras para a prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com FA. O grande entrave para o uso mais abrangente destas medicações, entretanto, é seu preço ainda alto em relação à varfarina. Além disso, nos falta ainda experiência prática com o manejo destas medicações, bem como estudos “na vida real” para que possamos definir melhor qual paciente mais se beneficiaria de cada droga.
Referência: Granger C et al. Apixaban versus warfarin in patients with atrial fibrilation. NEJM, August 28, 2011 (10.1056/NEJMoa1107039)
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