Médicos brasileiros e americanos lançam recomendações para
prevenir doenças cardíacas desde a infância
Mônica Tarantino e Lena Castellón – Dallas (EUA)
Lena Castellón viajou a convite do laboratório Pfizer
Todo pai e toda mãe sabem. Em geral, na rotina de crianças
saudáveis, falta dia para gastar tanta energia. Felizmente, elas vêm
com pilhas de longa duração. Agora, médicos do mundo todo estão
envolvidos em um grande esforço para fazer com que seus corações
também ganhem fôlego de longo alcance. Na semana passada, um dos
principais temas do congresso da Associação Americana de Cardiologia
deste ano, realizado em Dallas (EUA), foi justamente a prevenção de
doenças cardíacas desde cedo. E nesta semana, no Brasil, serão
lançadas durante o Congresso Brasileiro de Aterosclerose, em São
Luís, no Maranhão, as primeiras recomendações brasileiras para
prevenir a doença, caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura
nos vasos sangüíneos, que começa já na infância. O depósito de
gordura nas artérias, como se sabe, com o tempo pode levar a um
infarto ou a um acidente vascular cerebral. “Nossa expectativa é a
de que as diretrizes ajudem os pediatras e cardiologistas a darem
mais atenção à prevenção desde a infância”, afirma a cardiologista
pediátrica Isabela Giuliano, de Florianópolis, coordenadora do
trabalho e presidente do grupo de Prevenção de Aterosclerose na
Infância da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Essas iniciativas
são urgentes. O que se quer é evitar que as crianças de hoje trilhem
o mesmo e perigoso caminho percorrido por boa parte dos adultos do
planeta. Para se ter uma idéia, hoje as doenças cardiovasculares são
responsáveis por cerca de 16,7 milhões de mortes no mundo a cada
ano. No Brasil, este ano serão 400 mil vidas perdidas.
Entre as ações planejadas durante o evento americano para captar
atenção para o tema, uma
de grande destaque foi a divulgação de um decálogo para os pais
ajudarem seus filhos a ter um coração batendo no ritmo certo por
muitos e muitos anos. Como era de esperar, os conselhos enfatizam a
necessidade de estimular as crianças a praticar atividade física, de
diminuir o tempo diante da tevê (no máximo duas horas por dia) e de
habituá-las a comer alimentos que promovam sua saúde (frutas, fibras
e peixes, por exemplo). Afastar, de uma tacada só, os pequenos do
sedentarismo e da obesidade – duas das maiores ameaças à saúde
cardíaca – é a chave-mestra da prevenção.
É importante que os pais se empenhem na missão. Isso vale até para
quando a família come fora. Um trabalho feito pela Fundação de
Pesquisa e Educação Cardiovascular de Wisconsin (EUA) com 621
estudantes mostrou que a moçadinha que freqüenta restaurantes e
lanchonetes mais do que quatro vezes por semana tem maior chance de
sofrer de males cardíacos do que os que fazem mais refeições em
casa. Eles ingeriram mais sal, gorduras, amidos e açúcar do que os
demais. Também apresentaram taxas mais elevadas de LDL (o colesterol
ruim) e reduzidas de HDL (o bom colesterol). “Os pais têm de ser
modelos em suas casas. Os filhos tendem a repetir o que aprendem com
a família. Por isso, as refeições caseiras devem ter boas
alternativas”, diz Karen Olson, diretora do centro responsável pelo
trabalho apresentado em Dallas.
Sedimentar hábitos corretos, de fato, é um bom começo. Na casa de
Silvia Mendes Corrêa e Milton Daud, em Cotia (SP), há um cuidado
especial nesse sentido. “Dou muita atenção à qualidade da comida em
casa. Fui educada assim. Minha mãe servia arroz integral, por
exemplo. E, depois que me casei, meu marido também passou por uma
reeducação alimentar”, diz Silvia. Pais de Tomás, cinco anos, Luisa,
oito, e Pedro, dez, os dois também batalham para que as crianças não
estacionem na frente da tevê. “Eu corro e o Milton joga tênis. E
estimulamos a prática de atividade física pelas crianças. Tenho
horror a filho na frente da televisão”, conta Silvia.
Cotidiano:
o casal Silvia e Milton acredita no poder do exemplo para convencer
os filhos. Fazem esporte e investem em cardápio saudável.
Riscos – No Brasil, as diretrizes de prevenção, elaboradas
pelas sociedades brasileiras de Cardiologia, Pediatria, Hipertensão
e de Endocrinologia e Metabologia, também dedicam atenção ao
sedentarismo e à obesidade. “Para crianças e adolescentes, são os
fatores de risco mais importantes”, afirma o cardiologista Bruno
Caramelli, diretor da Unidade Clínica de Medicina Interdisciplinar
em Cardiologia do InCor. As orientações, claro, vão no mesmo sentido
das divulgadas pelos americanos. No que diz respeito à obesidade, há
um apelo aos pediatras para que levem mais em consideração a medida
da circunferência abdominal e o índice de massa corporal (IMC) da
criança como melhores indicativos de obesidade do que os resultados
obtidos pelos cruzamentos das velhas tabelas de peso e altura por
faixa etária. O índice é calculado dividindo-se o peso pela altura
ao quadrado.
O consenso nacional vai mais além. Entre suas novidades está a
redução do limite de colesterol total (HDL + LDL) aceitável para os
pequenos. “Pode dar mais trabalho baixar o colesterol aos níveis
recomendados, mas é a melhor maneira de proteger a saúde”, diz a
médica Isabela. O documento sugere que as crianças saudáveis comecem
a medir as taxas dessa gordura a partir dos dez anos (se estiver
tudo bem, deve-se repetir a dosagem depois de cinco anos). E as que
apresentam riscos, como ter parentes com história de doença
cardiovascular, devem fazer exames a partir dos dois anos. Quem
estiver fora do padrão precisa se tratar. O primeiro passo é, de
novo, rezar pela cartilha dieta + exercício físico. É o que faz
Miriam Wolff, dez anos, de São Paulo. Ela enfrenta taxas elevadas de
colesterol desde os quatro anos. Cansada de percorrer consultórios,
sem sucesso, sua mãe, a psicóloga Catarina, criou o Espaço Leve,
dedicado a atender crianças com problemas semelhantes aos de sua
filha. Lá, Miriam e os outros pequenos fazem exercícios e comem de
forma divertida, degustando novos sabores. Se nada resolver, os
pediatras recorrem a remédios.
Empenho:
Miriam Wolff, dez anos, faz parte de um programa para controlar o
colesterol
Índices – Pressão arterial também é problema para criança,
por incrível que pareça. A orientação é que elas meçam a pressão,
pela primeira vez, a partir dos três anos. As que apresentam risco
(obesas, por exemplo), mais cedo. De fato, controlar a pressão é tão
importante que há quem sustente que isso é até mais eficaz para
reduzir riscos do que domar o colesterol. Um dos defensores desta
idéia é o médico Michael Roizen, autor do livro Você, Manual do
proprietário. De qualquer forma, se os índices forem anormais,
dá-lhe dieta, exercícios e emagrecimento. Se nem assim os níveis
baixarem, há remédios que podem ser ministrados sob supervisão
médica.
No documento brasileiro, há um capítulo inteiro dedicado ao controle
da diabete, doença cada vez mais importante no desencadeamento de
males cardíacos. Os médicos alertam para a necessidade de
identificar precocemente crianças sob risco de apresentar o tipo 2
da enfermidade, associado a um estilo de vida inadequado. São
meninos e meninas com sobrepeso ou obesidade, história familiar da
diabete tipo 2 e que também somam alterações como hipertensão. Além
disso, há etnias mais predispostas ao mal, como as africanas e
hispânicas. Aos olhos dos especialistas, elas precisam urgentemente
abraçar uma rotina correta para escapar da doença. Independentemente
do tipo de diabete, porém, os portadores necessitam aprender a lidar
com a enfermidade. Há vários centros aptos a dar essa assistência.
Na Universidade de Brasília, funciona um deles, criado pela
professora de educação física Jane Dullius. Lá, Mariana Faria, 11
anos, diabética do tipo 1, recebe assistência. “Encorajei minha
filha a aprender o que precisa para se cuidar”, conta a mãe,
Marineide. A menina cumpre a lição de casa. “Faço exercício, cuido
da alimentação e controlo o açúcar no sangue”, conta Mariana.
Os médicos ressaltam que ficar de olho na existência da síndrome
metabólica é, hoje, mais uma obrigação. O problema é caracterizado
pela reunião, num mesmo indivíduo, de agentes que aumentam o risco
de males cardiovasculares. É de novo a lista conhecida: glicemia
(taxa de açúcar), colesterol e triglicérides (outro tipo de gordura)
elevados, hipertensão, obesidade e gordura abdominal superior à do
quadril (do tipo popularmente chamado de barriga de chope). No
evento americano, um dos trabalhos apresentados avaliou 917 pessoas
que fizeram acompanhamento médico há 30 anos, quando eram crianças.
Segundo a pesquisa, um adulto tem 8,5 vezes mais chances de
desenvolver uma doença cardiovascular se teve síndrome metabólica na
infância. “É cada vez mais claro que o que acontece na infância é
criticamente importante para o que ocorre na vida mais tarde”,
avaliou o médico Stephen Daniels, do Hospital da Criança, de
Cincinnati (EUA). Os pesquisadores ajustaram os dados coletados na
época com a realidade atual para determinar quem teve a síndrome.
Caso a criança esteja de fato com o distúrbio, os pediatras têm de
combatê-lo.
Autonomia:
Marineide estimula a filha Mariana, diabética, a se cuidar sozinha
Emoções – Nessa cruzada pelos corações dos pequenos, há ainda
aspecto pouco difundidos, mas que os médicos brasileiros querem
valorizar. Um deles é olhar para a saúde cardíaca desde os primeiros
meses de vida. “Condições como baixo ou alto peso ao nascer estão
associadas ao desenvolvimento de males cardiovasculares no futuro”,
diz o cardiologista Mário Maranhão, de Curitiba. Além disso, a
amamentação exclusiva (dar somente leite materno até os seis meses
de idade) está relacionada a níveis mais baixos de pressão arterial
na infância. Mais um bom motivo para amamentar. O histórico familiar
também ganha mais destaque. Já na primeira consulta com o pediatra,
cabe aos pais relatar as doenças de seus pais, irmãos, avós...
“Precisamos nos antecipar. O médico deve conhecer os antecedentes
familiares para fazer a prevenção desde cedo”, orienta o pediatra
Fábio Ancona Lopez, vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Pediatria.
A outra linha de ação dos médicos é mostrar o peso dos fatores
emocionais na geração de doenças do coração, inclusive entre os
menores. Já se sabe que a conexão entre males cardíacos e stress é
real. O distúrbio afeta o ritmo cardíaco e aumenta a pressão
arterial. E, lamentavelmente, essa condição não é mais exclusividade
de gente grande. Hoje, muitas crianças manifestam sintomas do
problema, desencadeado por várias condições há alguns anos
inexistentes. O acúmulo de tarefas – submeter os pequenos a muitas
atividades, por exemplo – é uma delas. Além disso, num país como o
Brasil, pequenos expostos à miséria e à violência também estão
sujeitos a esse desgaste emocional.
Portanto, os especialistas querem que médicos e pais saibam que
proteger o coração das crianças inclui zelar também pela saúde de
suas mentes. Esse cuidado, assim como todos os outros, é um remédio
valioso para cultivar um coração vigoroso e feliz.
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